«Encontrar a verdade é desiludir-se» e a caminhada neste sentido é tão longa que uma vida inteira é apenas um momento da jornada - nem por isto menos importante.
O processo de ilusão mental que se renova continuamente -porque contém um pouco de verdade- talvez possa ser compreendido melhor se imaginarmos que a mente é um espelho que reflete o real.
«A mente que pára está livre da projeção de desejos e reflete fielmente o real».
A escritora norte-americana Frances Vaughan enumera algumas ilusões típicas que costumam aparecer no mundo interno de quem busca a vida espiritual.
A primeira delas é a negação da própria sombra e a projeção sobre os outros do que há de negativo em nós. Quem sofre desta ilusão, divide o mundo em crentes e não-crentes, sábios e ignorantes, e cria um sistema de oposição entre "nós" e "eles". Quando o caso é mais grave, surge o "eu", contra os "outros", cabendo aos "outros" o papel de ignorantes, e ao "eu" o papel de iluminado que sabe tudo.
Outra ilusão é a culpa. Quando a busca espiritual é causada por um sentimento de culpa e medo, quando a pessoa tem baixa autoestima, também há um forte fator de autoengano, porque os sentimentos de medo e culpa são ilusórios, embora pareçam reais a quem está preso a eles.
A ambição espiritual é um terceiro perigo (e dos maiores) na busca da verdade. O cidadão quer então ser um líder, um profeta, um pastor das almas alheias, enquanto ainda não consegue controlar a si mesmo.
Uma quarta ilusão, que costuma andar junto com a ambição espiritual, é a sensação de ser alguém especial e merecer privilégios, seja por parte de Deus ou por parte de outras pessoas. Esta ilusão muitas vezes abre as portas para o surgimento de fantasias que justificam alguns erros bastante básicos, que a sensação de importância nos impede de ver com honestidade.
Frances Vaughan menciona também a idolatria entre as formas mais comuns de ilusão espiritual. Neste caso, a pessoa fica fascinada com símbolos externos da espiritualidade: imagens de Buda, Jesus ou outros mestres, pedras energéticas, anéis mágicos, ou mesmo livros considerados infalíveis. Pessoas vivas também podem ser transformadas em ídolos. A idolatria é um recurso para fugir da consciência da nossa ignorância. Fazemos de conta que aquilo que buscamos está presente no objeto da nossa idolatria.
De que maneira podemos nos libertar das diferentes formas de ilusão espiritual, aproximando-nos gradualmente da verdade una e fundamental?
O primeiro passo, para muitos autores, é algo que devemos fazer com regularidade em nossa vida. Trata-se de examinar a nossa própria motivação. O que é que eu quero, realmente, com minha busca espiritual?
Normalmente, uma resposta sincera terá em si a chave para a solução do problema da ilusão, tal como se apresenta neste momento em nossa vida. Tudo depende, no entanto, do grau de honestidade que temos com nós mesmos. A maior parte das nossas motivações é feita de desejos. Através do estudo do conteúdo, em grande parte ilusório, dos nossos desejos, podemos gradualmente ter acesso a níveis mais permanentes da realidade.
O uso da intuição, da imaginação positiva, da meditação diária, do estudo, e a prática do altruísmo e da sinceridade são, em geral, indispensáveis para que diminuam os níveis de autoengano e ilusão.
O místico do século 15, Tomás de Kempis, escreveu em seu livro algo que me parece útil para pessoas que despertam hoje para o potencial divino em seu interior e sentem uma responsabilidade ética pessoal pelo futuro da humanidade e dos seus semelhantes mais próximos:
"Primeiro, conserva-te em paz, e depois poderás pacificar os outros. O homem apaixonado converte até o bem em mal, e facilmente acredita no mal. O homem bom e pacífico, ao contrário, faz com que tudo se converta em bem. Quem está em boa paz de ninguém desconfia; o descontente e perturbado, porém, é perseguido por várias suspeitas e não sossega, nem deixa os outros sossegarem. Diz muitas vezes o que não conviria dizer, e deixa de fazer o que mais lhe conviria. Preocupa-se com as obrigações alheias e descuida-se das próprias. Procura ter, pois, cuidado contigo mesmo, e depois poderás tê-lo, com direito, em relação a teu próximo".