Matias Aires, primeiro filósofo e romancista nascido no Brasil Colonial, em 1711, colocou a vaidade como o centro de suas meditações e a origem de toda a sua compreensão sobre as coisas da vida. Ele entendia o homem como um ser corrompido pela vaidade, que tudo penetra e reduz ao domínio das paixões e dos vícios. Segundo o filósofo, essa miserável condição humana só pode ser sanada através da providência divina. E não é justamente a inflação egoica que observamos em ação na maioria das questões atuais, como guerras, problemas ambientais e até mesmo em temas corriqueiros, que regem os interesses de forma geral?
Na medida em que exige que sejamos especialmente brilhantes, atraentes e poderosos, nossa cultura alimenta a vaidade humana. E, não havendo espaço para o fracasso, tentamos formar uma sociedade de super-homens e mulheres, cujo êxito é avaliado em termos de conquistas materiais, associando-se realização pessoal com sucesso. Assim sendo, exigimos o máximo aproveitamento da imensa quantidade de atividades com as quais bombardeamos nossas crianças e jovens em nome de seu bom desenvolvimento. Se vencerem, do pódio lhes acenará o poder, a riqueza e o status, como se fossem esses os verdadeiros realizadores das necessidades humanas ou os valores a se alcançar.
Sermos especiais, no entanto -e aí devemos reconhecer nossa vaidade-, nos transporta para longe de nosso humano lugar-comum. Ser poderoso traz certas vantagens, como ter conforto e um padrão de vida superior, já que podemos até nos servir de outras pessoas para as tarefas mais pesadas. Além do mais, "matamos" nosso vizinho de inveja... O poder e o status que dele advém, na verdade, nos revestem com uma aura de superioridade, elevando-nos, muitas vezes, à categoria de semideus. E aí reside o perigo, pois isso nos ajuda a negar nossa verdadeira condição humana. Jung mostrou claramente o perigo da inflação egoica ao cumprimentar um aluno pelo sucesso que tivera: "Parabéns", disse ele, "você sofreu um sucesso".
A biologia, porém, ensina-nos que na natureza ninguém tem poder. No mundo natural, é a posição a ser ocupada que desempenha um papel importante como regulador das relações grupais entre os animais. A melhor fêmea e o melhor alimento vão pertencer àquele que possuir maior potencial energético e vitalidade, ou seja, maior potência sexual.
Na sociedade humana, associou-se a imagem da potência sexual às pessoas investidas de poder. E foi justamente essa identificação simbólica do poder com potência sexual que tornou o primeiro tão sedutor. Por isso, os que não o possuem, muitas vezes, acabam se sentindo impotentes, incapazes de se realizar na vida.
A cultura moderna está orientada e obcecada pelo poder, uma vez que a autoridade que regia e determinava o comportamento no século 19 entrou em colapso. Havia, então, uma rígida estrutura de classes e uma rigorosa moralidade sexual; ao mesmo tempo, as atitudes esperadas frente a esses padrões eram de submissão e austeridade. Resultou disso um severo superego, causador de culpa e ansiedade intensas em relação ao sentimento sexual, surgindo a partir daí, a histeria.
Nos dias atuais, já não há o mesmo respeito à autoridade. Por outro lado, a conduta sexual é mais livre, a ponto de ter mais importância do que os sentirem. Os colarinhos duros foram substituídos pelo exibicionismo, com muito menos culpa ou ansiedade em relação ao sexo.
Culturalmente, estamos mais predispostos ao narcisismo como expressão, ou seja, as pessoas acham-se voltadas para a sua própria imagem, estão embriagadas pelo poder e negam seus sentimentos. Mostram-se, portanto, mais sujeitas à depressão e às sensações de vazio interior.
A palavra narcisismo provém do mito grego de Narciso - jovem de extrema beleza que, ao ver sua imagem projetada no lago, apaixonou-se por ela; ficou tão embevecido com o seu próprio reflexo que acabou se afogando. Simbolicamente, isso quer dizer que toda a libido -isto é, toda a energia de ligação que temos conosco e com o ambiente- foi desinvestida do exterior e investida na imagem que a pessoa tem dela própria. Por isso, os narcisistas são identificados como indivíduos que, acima de qualquer coisa, amam a si próprios e a seus feitos.
Para o psicólogo Alexander Lowen, a negação de sentimentos constitui um distúrbio básico do narcisismo, que permite à imagem egoica ganhar ascendência sobre o Self. Essa negação pode se dar através de dois mecanismos: pelo amortecimento do corpo e pelo bloqueio da percepção, ou seja, ver apenas o que se quer ver.
O amortecimento do corpo é uma condição através da qual todos nós nos adaptamos a super estimulação das grandes cidades: o barulho excessivo, o ritmo intenso e frenético. Somos o tempo todo bombardeados pela tensão; precisamos estar continuamente em movimento. O preço que pagamos por isso é que, para nos adaptarmos, temos de erigir barreiras que nos tornem insensíveis. O ciclo doentio se completa ao precisarmos de toda essa atividade e excitação para nos sentirmos vivos.
Segundo Lowen, o desejo é a chave para o prazer, no entanto, as próprias condições da vida moderna geram dificuldades para a sua obtenção, em vez de nos abrirmos para nossas sensações e sentimentos, tentamos nos insensibilizar para não enlouquecer.
Assim sendo, identificar-se com uma imagem grandiosa de si mesmo - aquele ser especial que alguém quer que sejamos- ajuda a pessoa ignorar a dor de sua realidade interior. Ao mesmo tempo, isso garante a aceitação por parte dos outros, sendo também um modo de seduzi-los e de obter poder sobre eles.
Por isso, o poder é tão importante para o narcisista: ele lhe confere uma potência que não teria de outra forma, além de atuar como uma proteção contra qualquer humilhação - fato que, na história de vida do narcisista, constituiu uma grande ferida contra o seu amor-próprio.
Graças ao fantástico desenvolvimento da tecnologia, nunca, em toda a história da humanidade, o homem foi tão poderoso como atualmente.